No dia 11 de fevereiro deste ano, cientistas anunciaram
a detecção de ondas gravitacionais. "We have detected gravitational waves", disse David Reitze,
diretor do LIGO, "We did it". Em seguida, a informação tomou
conta das manchetes de todos os jornais científicos e não científicos pelo
mundo. Vários físicos comentaram a façanha com um entusiasmo difícil de
esconder, dizendo que novas portas foram abertas para o estudo da astronomia e
que as análises do universo nunca mais serão as mesmas a partir de então. Mas imagino
que muitos estejam se perguntando o porquê de tanta alegria e qual a
importância disso para o mundo. Espero responder estes questionamentos com este
texto e, desde já, declaro minha satisfação com a descoberta também.
David Reitze, diretor do LIGO; fonte: bbc.co.uk |
Antes de tudo, é bom fazer um rápido
histórico e fortalecer o mérito do maior físico que já passou pelo nosso
planeta, Albert Einstein. Eu diria, na verdade, que Einstein não foi apenas um
físico brilhante, mas também filósofo. Aproveito para recomendar dois de seus livros
que mostram muito da mente deste gênio, Como
Vejo o Mundo e A Teoria da
Relatividade Especial e Geral. O primeiro é puramente filosófico e cheio de
insights que ilustram seu pensamento completamente não linear, porém sóbrio e
extremamente disciplinado; o segundo é uma exposição didática sobre as teorias
da relatividade, porém com baixo teor matemático, para que todos possam entender,
afinal, Einstein não era apenas um cara inteligente, mas de bom coração e
apaixonado pela humanidade. Agora, aos fatos.
Em 1916, dez anos após a publicação da teoria
da relatividade restrita, Albert Einstein publicou sua teoria da relatividade
geral. A teoria da relatividade geral, como diz o nome, é uma generalização da
primeira teoria, onde Einstein estabelece a dinâmica do espaço tempo e explica seu
funcionamento, detalhando como as massas distorcem o espaço e quais os efeitos
disso. Em sua profunda investigação matemática, Einstein postulou que, sendo
correta a teoria da relatividade, uma série de fenômenos deveriam ocorrer, como,
dentre os principais: a curvatura da luz ao passar perto de um corpo de massa
(ou energia) muito grande e a produção
de ondas gravitacionais (ondulações no tecido espaço-temporal) devido ao
movimento das massas, seja por deslocamento dos corpos ou por explosões de
estrelas, por exemplo.
Albert Einstein, desenvolvedor da Teoria da Relatividade; fonte: ambienteja.info |
Que a luz muda sua trajetória ao passar por
blocos de grande massa nós já sabíamos, porém, em muitos periódicos
científicos, como Nature e Scientific American, colunistas deixavam clara sua
preocupação com a validade da Teoria da Relatividade Geral. O motivo é simples,
as ondas gravitacionais, que são parte da teoria, nunca haviam sido detectadas
e, temia-se, poderiam nunca ser observadas. Caso não fossem jamais encontradas,
ficando fora dos limites matemáticos da teoria, fórmulas precisariam ser
adaptadas, pois haveria uma clara certeza de que a os cálculos de Einstein não
teriam sido tão precisos. O problema disso tudo é que seria necessário o início
de uma busca por um modelo matemático que incluísse as observações já
realizadas da relatividade geral, porém que excluísse as ondulações. Não é um
trabalho matemático simples, porém já existem outros candidatos para explicar o
universo.
Pois bem, dado que agora as ondas foram
detectadas, finalmente, uma série de teorias podem ser excluídas, o que é um
ponto positivo, pois aproxima nossa certeza do funcionamento do universo,
fechando um pouco mais a faixa de possibilidades. Ainda assim, eu entendo,
muitos podem não entender a real importância disso, afinal, ainda há muita
gente que pensa "e daí?", julgando ser desnecessária a existência da
ciência pela ciência. Ora, dispenso comentários sobre a pobreza filosófica
deste pensamento e sigo para as outras implicações importantes da nova
descoberta.
A detecção das ondas gravitacionais mostra
que, se mantivermos nosso ritmo tecnológico, em poucos anos estaremos
compreendendo melhor como se comportam uma série de elementos do nosso
universo, podendo ampliar nosso conhecimento ainda bastante limitado. Mas,
como?
O
limite da luz
A investigação do universo a partir da luz,
como sabemos, é limitada em uma série de aspectos. Primeiro, só podemos
investigar com maior clareza objetos que refletem luz; segundo, não é possível
estudar o interior de buracos negros, pois a luz fica presa a eles; terceiro e
ultimo dos principais, somos limitados a observar a radiação do universo quando
ele tinha pouco menos de 400 mil anos de idade, pois antes disso os fótons ricocheteavam
em matéria densa e altamente energética, impossibilitando que reflexões diretas
de idades inferiores possam ser vistas. É aqui que as ondas gravitacionais
entram imponentes.
Elementos do universo que não refletem luz,
como matéria escura e energia escura podem ser estudados a partir dos padrões ondulatórios
que desenham no tecido espaço-temporal num futuro, próximo ou não. Mesmo que
distante ainda da nossa realidade, é uma possibilidade interessantíssima.
O estudo do interior de buracos negros pode
ser feito através de ondas gravitacionais, pois elas não são encurraladas por
gravidade, elas são a própria gravidade. Dessa forma, podemos captar os sinais
que saem de dentro do horizonte de eventos de um buraco negro. A importância de
estudar estes corpos é bastante transcendente, pois, dado que são
singularidades, ou seja, pontos do espaço de curvatura infinita, é possível que
encontremos, dentro deles, focos de interação entre todas as dimensões
existentes no universo. Outro leque de teorias poderá ser evidenciado ou
descartado de acordo com essas observações. Demorando ou não, é possível que,
em algum momento, tenhamos tecnologia suficiente para fazer este tipo de
estudo, o que nos levará não só a entender o número e o comportamento das
dimensões do universo, mas também se há evidências para o postulado de múltiplos
universos e como eles podem aparentemente se comportar. Acredite, é um campo
vastíssimo de estudos na física; recomendo, para quem tem curiosidade, a
leitura do livro A Realidade Oculta,
de Brian Greene, que trata de uma série de possibilidades e explica quais são
as evidências que esperamos para comprovar ou falsear algumas delas.
Brian Greene, PhD, físico teórico e divulgador de ciência; fonte: minnpost.com |
Por fim, o ramo de pesquisas mais fascinante
da física, a criação do universo. Captar ondas gravitacionais permite que
ultrapassemos a atual barreira dos 380 mil anos de idade. Para quem não está
muito familiarizado, o estudo experimental da astronomia consiste, basicamente,
em olhar para os cantos mais distantes do universo, que são, segundo a teoria
da relatividade (e sua parte já comprovada), momentos do passado da história do
nosso universo. Acontece que, quando olhamos (captamos radiação), estamos
limitados a um evento que aconteceu há 380 mil anos, que foi o momento em que a
luz se libertou da sopa de partículas densa e extremamente energética, ficando
livre para se propagar pelo universo, gerando o que hoje é chamado de radiação de fundo em microondas. Estudar
essa radiação já permitiu que os astrônomos evidenciassem e teorizassem sobre a
expansão do universo, como ela se deu e em que momentos. Porém pouco sabemos de
antes disso, a não ser postulados e deduções lógicas (estimativas).
Ondas gravitacionais não ficam presas a nada,
nem à densidade energética da sopa de partículas primordial, pois elas ocorrem
na estrutura do espaço-tempo, distorcendo espaço e tempo, ou seja, como já
dito, elas são a gravidade. Isso significa que, quanto melhor nossa tecnologia,
mais longe (no tempo e no espaço) poderemos enxergar, desvendando o que de fato
ocorreu nos primórdios do universo. Inclusive, poderemos confirmar se, de fato,
houve um início ou não. Indico aqui, aos curiosos, a leitura do livro Do Big Bang ao Universo Eterno, de Mario
Novello, e seus artigos sobre o tema também.
Mario Novello, físico teórico; fonte rodaviva.fapesp.br |
É importante lembrar sempre que o Big Bang
nunca foi comprovado. Há sim evidências de que o universo teve um início que se
deu há 13,8 bilhões de anos, porém são todas indiretas. O que temos certeza é
da expansão do universo, mas não de seu início.
Partindo agora para a área da tecnologia, os
amantes de ficção científica e engenharia já podem começar a pirar, pois
desvendar o processo exato das ondas gravitacionais e formas de manipular estas
ondulações podem aumentar a velocidade das nossas viagens pelo espaço, o que
vai permitir estudos em pontos do universo que, por enquanto, encontram-se
apenas nos nossos sonhos e desejos.
Portanto, com muita alegria, os físicos
anunciaram e comemoraram a detecção das ondas gravitacionais. Acredito que
novos estudos aparecerão em breve sobre vários tópicos da astronomia moderna e,
quem sabe, num futuro próximo, graças às novas tecnologias e teorias que
surgirão, a mecânica quântica e a relatividade geral façam as pazes. Que venha um
Nobel para a equipe do LIGO e, porque não, para o falecido Albert Einstein, o
responsável por praticamente todos os desenvolvimentos da física moderna e que
estaria, com toda a certeza, muito orgulhoso dos progressos da humanidade em
cima de seus insights.