Talvez muitos não saibam o que divulgou
recentemente o biólogo Richard Dawkins. Primeiro, porque fora do país, o
absurdo por ele incentivado é visto como algo positivo para a democracia; e não
há muita discussão sobre o conceito de democracia além do próprio ego. Segundo,
porque os amantes do Dawkins são, geralmente (não sempre), torcedores de uma
opinião, que sentem a certeza de que estão sempre corretos e ignoram qualquer
contra argumentação forte ou consequência negativa do seu raciocínio fechado,
pregando para a humanidade a religião (crença, com C maiúsculo) dawkinista.
Richard Dawkins, biólogo, queniano; http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/a0/Richard_Dawkins_Cooper_Union_Shankbone.jpg |
O que fez este magnífico “cientista”? Deu uma
resposta a uma moça que dizia ter dúvidas sobre sua atitude caso ficasse
grávida de um feto com síndrome de Down. “Aborte e tente de novo”, tuitou
Dawkins. “É imoral trazer isso ao
mundo se você tiver escolha”.
Assim, simples, é abortar e pronto. Tirar
essa anomalia da sociedade, ser moral e ético. Parece-nos, portanto, que Dawkins
entende muito de biologia e pouco de ética. Mas antes de criticar sua visão,
vou expor suas próprias explicações: “São
fetos diagnosticados com a doença antes de terem sentimentos”; “Há um lugar para emoções e esse (debate) não
é um deles”; “Um feto, sem um sistema
nervoso desenvolvido, não tem (direitos na sociedade)”.
Explicitadas suas defesas, supostamente
baseadas em lógica científica – pois é isso que ele diz – vamos falar na real
ciência. Sejamos, neste momento, todos ateus como Dawkins. Fica muito mais
fácil perceber a falta de coerência dos seus próprios argumentos.
Os
fetos não têm sentimentos. Sim, podemos afirmar isso, segundo os
conhecimentos da nossa biologia. Mas lembrando, é claro, que até menos de seis
meses atrás, achávamos que animais não tinham consciência. Acontece que em
pesquisa realizada pelo neurocientista Philip Low, em parceria com o físico
Stephen Hawking, foi descoberto que a consciência existe em todos os mamíferos
e todas as aves. Logo, nossos conceitos de consciência e, por consequência,
sentimentos devem ser rediscutidos. De qualquer forma, como sua justificativa
reside no fato de o sistema nervoso não ter se formado, podemos toma-la como correta.
Há, portanto, apenas um raciocínio a ser feito. O que é a vida e quais são seus
objetivos?
Philip Low, neurocientista; http://veja.abril.com.br/assets/images/2012/7/86167/philip-low-original.jpg |
Um conceito muito bem aceito sobre a vida e
seu objetivo foi explanado pelo físico Marcelo Gleiser. Ele disse que o
objetivo da vida não é ser inteligente, é sobreviver. A luta pela sobrevivência
pode ser observada nas bactérias, nos protozoários, nos fungos e em qualquer
forma de vida suficientemente primitiva. Até as plantas se mantém presas à
terra, com muita força, através das ramificações de suas raízes – para conseguirem
captar o máximo de nutrientes e para não serem arrancadas pela base com
facilidade – podendo as folhas renascerem após terem sido arrancadas, ato que
não pode ser realizado pelos animais, nem pelos fetos.
Adquirido pela evolução dos mamíferos, um dos
mecanismos de defesa do ser humano reside no útero feminino. O líquido
amniótico protege a vida de sons e impactos desde a sua fixação na parede
uterina. Portanto, biologicamente, seja este ser uma “aberração” para Dawkins
ou não, devemos respeitar a vida e seu objetivo principal e que fez a evolução
fluir até a existência do homem, a sobrevivência.
Esse
(debate) não é lugar para emoções. Mesmo que esse argumento
seja puramente baseado na opinião dele e não na ciência e na lógica, acho que
podemos discuti-lo tranquilamente dentro dos conceitos científicos atuais. Emoções
são nada mais que memórias. Nosso cérebro “decora” o que foi provocado por um
estímulo externo. Quando uma situação parecida com essa “decorada” nos
surpreende, ativamos partes do nosso cérebro relativas àquele passado. Foi o
que mostrou um estudo recente feito com camundongos. Foi descoberto que os
neurônios produzidos pelo cérebro ao longo da vida (neurônios novos, produzidos
depois da formação cerebral) são responsáveis pela diferenciação de situações.
Quando não os temos ou produzimos poucos deles, temos dificuldade em
diferenciar situações, deixando que o nosso cérebro “lembre” de outras
parecidas que podem nos causar qualquer sentimento relacionado às tais.
Portanto, quando nosso corpo lembra-se de uma situação que ocorreu e liberou
certos hormônios no corpo, ele próprio faz o mesmo e então sentimos algo
(prazer, medo, raiva e etc.). Por mais incompleta que seja a explicação, é a
que aceitamos hoje.
Dessa explicação então podemos filosofar o
seguinte: sendo emoções simples reflexos do nosso corpo, e decididas pelo nosso
cérebro sem a nossa ação consciente, todo debate e todo momento é lugar para
emoções. A própria ação fria de Dawkins é uma emoção que, por ser vista como
positiva pela sociedade, é chamada de (ou, eu diria, confundida com) razão. Mas
isso não é um exemplo de uso da razão. Usar a razão é pesar argumentos e encontrar
uma resposta para algo. Resposta essa que deve ser a correta dentro de qualquer
sistema lógico (LÓGICO, ou seja, baseado em raciocínio e em certo conhecimento
já adquirido pela humanidade).
Independente de tudo isso, a conclusão que
tiro é que não faz sentido falar em emoção. Ela é apenas uma ilusão da nossa
memória e uma descarga de neuropeptídios que produzem reações no corpo. Se essa
emoção altera nossa maneira de pensar e estraga nosso raciocínio por pura
propagação de ação corporal, ninguém teria direito de falar sobre nada, afinal,
emoções estão presentes em nossa vida o tempo todo.
Feto humano; http://cb24.tv/wp-content/uploads/2013/08/fetohumano-300x255.jpg |
Um
feto sem sistema nervoso desenvolvido não tem direitos sociais.
Bom, direitos sociais, como manda a cultura mundial, baseados nas mentes
pensantes da nossa história, talvez não. Nosso ego não permitiria a perda de
tempo com seres não pensantes. Partir desse pressuposto tira o tema direito da lista de um debate sobre o
assunto, porém, lembramos que a existência do direito tem alguns objetivos
básicos, entre eles: a boa convivência social e a segurança da raça humana.
Ora, aborto é totalmente contrário à sobrevivência da raça humana.
Mesmo que o aborto nesse caso seja
relacionado ao feto com síndrome de Down, nós devemos manter em mente que
qualquer mutação genética faz parte da evolução da humanidade. Depois de
nascido, um ser humano com síndrome de Down, continua sendo um ser humano, tão
perfeito quanto qualquer outro. Sua capacidade de sobreviver existe (reforçando
o primeiro argumento), sua capacidade de produzir e aprimorar a própria
inteligência também existe (confirmando argumentos mais filosóficos). Não há a
menor diferença entre um ser humano com e sem a síndrome de Down, a não ser a
intensidade de certas capacidades. Porém, intensidade de capacidades não está
no debate em questão. Se colocarmos isso em debate, surgirá a pergunta: os vários
seres vivos, com capacidades ligeiramente menores de produzir ou realizar algo,
poderiam ser abortados?
Agora vamos deixar o gênio do Dawkins de lado
para falarmos sobre o assunto com mais seriedade.
Um ser humano com síndrome de Down,
geralmente, é mais dependente de outros à volta para realizar tarefas e
desenvolver o intelecto; uma criança sem a mutação costuma desenvolver suas
capacidades intelectuais de maneira mais rápida. Mesmo que esse paradigma de
pensamento esteja sendo quebrado por novos desenvolvimentos na psicologia e na
pedagogia, que conseguem aperfeiçoar o ensino adaptando-o ao modo de compreensão
dessas pessoas, ainda existe a dificuldade por parte das famílias ao longo da
formação deles. E é isso que prova a importância, mais uma vez, do altruísmo na
evolução da humanidade. Lutar pela sobrevivência não significa matar pela sobrevivência. Melhorar a
qualidade de vida do ser humano e aumentar a longevidade da espécie é uma
maneira de lutar pela sobrevivência.
http://onlyagame.typepad.com/.a/6a00d83452030269e2010536b949d1970c-800wi |
Os estudos para melhorar a qualidade de vida
de pessoas em diferentes condições nos levam, constantemente, a descobertas no
campo da ciência que impulsionam ainda mais a melhora na qualidade de vida das
mesmas pessoas. Esse ciclo racional permite a cura de muitas síndromes e muitas
anomalias (é importante fazer a distinção entre síndrome e anomalia).
Quanto à vida natural do ser humano, livre de
raciocínios e análises científicas, a convivência entre pessoas diferentes (diferenças
étnicas, culturais, filosóficas, sociais, genéticas, físicas, mentais, etc.) é
importante para o desenvolvimento moral do ser humano. É importante para o
desenvolvimento intelectual do ser humano. É importante para a nossa
organização social global. É, definitivamente, importante para a nossa vida
como um todo.
Dawkins, por acaso, não foi abortado. Einstein,
Newton, Laplace, Fourier, Hawking, Neil DeGrasse e outros cientistas poderiam
ter sido abortados se seu nascimento fosse considerado uma ameaça à evolução da
humanidade. Como fez Hitler, ao decidir matar os judeus, por achar que a raça
ariana era a evolução da raça humana. Raciocinando como Dawkins, Hitler poderia
dizer que seria imoral, tendo a escolha, permitir o nascimento de uma criança
de outra raça. Nesse contexto, Richard Dawkins, com sua pele branca e seus
olhos cor de mel, não seria abortado nem assassinado? Ou seria por ser queniano?
Dawkins não foi abortado e por isso consegue
contaminar o mundo com certos discursos absurdos. Por que absurdos? Bom, nunca
vi – e nem ouvi falar de – um ser humano com síndrome de Down fazendo mal a
alguém. Se, de fato, eles podem fazer mal a alguém, me parece que escolhem, na
maioria dos casos, não fazê-lo. Talvez eles sejam a evolução da humanidade.
Richard Dawkins, o biólogo que não foi abortado, poderia aprender com o método
científico a observar primeiro, filosofar e teorizar depois e, por último,
orientar as ações das pessoas, o que ele decididamente não fez, visto que a
ciência ainda está descobrindo todos os atributos de um corpo com síndrome de
Down.